quarta-feira, 11 de agosto de 2010



A 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que vai de 12 a 22 de agosto, traz como novidade o espaço “Cozinhando com palavras”, inspirado na Paris Cook Book Fair, feira especializada em livros de gastronomia que acontece anualmente na capital francesa.

O espaço, do qual participam cerca de 20 editoras, terá uma cozinha e uma área para palestras e debates com escritores, cozinheiros e profissionais da área sobre as relações entre comida e literatura. Fui convidada para participar de uma sessão no dia 21, às 20h, com um dos estudiosos da alimentação mais destacados de Portugal, a historiadora Isabel Drumond Braga, autora do livro Sabores do Brasil em Portugal - Descobrir e transformar novos alimentos (séculos XVI-XXI), que será lançado na feira pela editora Senac São Paulo. O tema será "Sabores do Brasil em Portugal" e, além de mim, participarão o historiador Henrique Carneiro, a pesquisadora Rosa Beluzzo, a antropóloga Paula Pinto e Silva e o jornalista Caloca Fernandes.

Seguem alguns lançamentos em gastronomia, cujas resenhas fiz para a revista menu deste mês.


Tropeços da cozinha francesa


A ‘revolução’ encabeçada pela Espanha é um dos fios que tecem as reflexões do crítico francês François Simon sobre os (des) caminhos da cozinha francesa atual. Lançado no final de 2008, Pique-assiette: la fin d’une gastronomie française (aqui traduzido como Para onde foram os chefs? Fim de uma gastronomia francesa) é rápido de ler (são pouco mais de cem páginas) e recheado de escancarada ironia. Sem papas na língua, o crítico do Le Figaro avalia o beco em que se enfiaram alguns chefs franceses, catapultados ao estrelato pelos guias gastronômicos (nominalmente, o Michelin). De um lado, “refeições com gosto de falsificação”, fruto das filiais de casas famosas multiplicadas em escala global, da ausência do chef nas cozinhas e das “cópias sem escrúpulos do gênio catalão”. De outro, uma “clientela de ilusão”, que engole “saladas de um centímetro”. Mas essa moda de “alimentos liliputianos”, segundo Simon, está com os dias contados. Entre uma ponta e outra existe uma saída — um público apaixonado pela mesa “amarrando seus guardanapos em outros lugares”, atrás de uma nova geração que tenta redescobrir o caminho da clientela e de chefs-cozinheiros que ainda “carregam caixas de compras”. Afinal, lembra o autor, “o que esperamos de um chef não é que ele coloque o açúcar ao contrário nas xícaras de café, mas que seja ele mesmo”. Essencial para pensar a gastronomia contemporânea.

Para onde foram os chefs? Fim de uma gastronomia francesa – François Simon – Senac São Paulo (128 págs.) – R$ 30


Aprendendo a degustar

Verdadeiro clássico da enologia, Le goût du vin acaba de ganhar tradução para o português. Publicado pela primeira vez em 1980, O gosto do vinho é da autoria do enólogo e pesquisador francês Émile Peynaud, morto em 2004 aos 92 anos e considerado o pai da enologia moderna — aposto mais do que suficiente para dimensionar a importância do livro. Com uma linguagem precisa e acessível, Peynaud oferece um guia para quem deseja colocar-se diante de uma taça de vinho e ter, a partir dela, uma experiência completa. Dos mecanismos dos sentidos à variedade e ao equilíbrio de aromas e sabores, dos critérios que definem a qualidade da bebida aos termos apropriados para descrevê-la, a obra não perde de vista seu caráter fundamental, que é o da inclusão a esse universo, e não o contrário: “Com trabalho, quase todo mundo pode se tornar um bom degustador”. A revisão técnica é de José Luiz Alvim Borges, atual presidente da Associação Brasileira de Sommeliers de São Paulo (ABS-SP).

O gosto do vinho – Émile Peynaud – Martins Fontes (258 págs.) – preço a definir


Só quero chocolate


A cozinheira Heloisa Bacellar adora contar histórias. E suas receitas, além de bem explicadas, são charmosas e fáceis de fazer. Esses dois elementos, que já garantiram o sucesso de suas publicações anteriores — Cozinhando para amigos 1 e 2 — estão novamente presentes em Chocolate todo dia: 119 receitas para todo mundo se derreter. Dona do simpático restaurante-empório Lá na Venda, Heloisa foi uma das sócias da escola Atelier Gourmand (ambos em São Paulo), o que explica sua habilidade em transmitir receitas exaustivamente testadas — foram gastos dois meses e meio e 67 quilos de chocolate. Sugestões de coberturas, bolos, sorvetes, tortas e biscoitos são emolduradas pro informações, dicas e lembranças sobre o chocolate e as delícias feitas com ele.

Chocolate todo dia: 119 receitas para todo mundo se derreter – Heloísa Bacellar – DBA (158 págs.) – R$ 125



A arte da doçaria


Dando continuidade a um seguimento fundamental da literatura culinária brasileira — o de reedições de obras antigas, projeto encabeçado por Arte de cozinha e Cozinheiro nacional, lançados em 2008 —, a editora Senac lança Dicionário do doceiro brasileiro. Publicada durante o Brasil Império, é uma obra importante para estudiosos do tema — embora sob esta perspectiva, dois comentários se façam necessários. O primeiro deles é a opção pela seleção e não pela reprodução integral do volume (imenso, é verdade), o que fragmenta a obra a partir das preferências de um olhar que é, sobretudo, moderno. O segundo é a ausência (assim como nas duas obras supramencionadas) de seu caráter de documento — a saber, a reprodução fac-símile do original. Para além de satisfazer a curiosidade de leitures gourmets, cada vez mais ávidos pelo assunto, há que se privilegiar também (como fazem França, Inglaterra e Estados Unidos) aqueles que se dedicam ao estudo da culinária brasileira — e precisam revirar arquivos, quando não recorrer a bibliotecas particulares, para encontrar tais receituários. A introdução da obra é do antropólogo Raul Lody.

Dicionário do doceiro brasileiro – Antonio José de Souza Rego – Senac São Paulo (328 págs.) – R$ 70


Delícias de Minas


História da arte da cozinha mineira por dona Lucinha
é um livro emocionante. Escrito por Maria Lúcia Clementino Nunes, a dona Lucinha (proprietária do famoso restaurante de comida mineira que leva seu nome), é uma obra que alinhava história e receitas por meio das lembranças desta cozinheira, profunda conhecedora dos hábitos alimentares de sua gente. A história da formação da cozinha mineira ganha corpo com a ajuda de sua filha, a historiadora Márcia, coautora do livro, que foi lançado em 2007 pela Larousse e ganha agora sua 4ª edição. Quanto às receitas, dona Lucinha presenteia o leitor com verdadeiras relíquias culinárias, tiradas dos preciosos baús: a cozinha das fazendas (suã de porco com mamão verde, canjiquinha com costelinha), os doces e licores, como o doce de cidra, as comidas dos tropeiros (biscoito bagageiro). O grande tempero são suas memórias, que recuperam a singela canção das piladeiras, os ralos de lata com furos de prego, o guisado feito pelas crianças em caburés. Sem esquecer seu eterno ensinamento: “comida mineira pesada é comida mineira malfeita”.

História da arte da cozinha mineira por dona Lucinha – Maria Lúcia Clementino Nunes e Márcia Clementino Nunes – Larousse do Brasil (176 págs.) – R$ 84,90



Ovo indigesto

Que o interesse por livros de gastronomia ou de culinária aumentou é fato. Que, para saber preparar arroz e feijão grande parte das pessoas tenha que recorrer a escolas de cozinha pelo atual ‘desapredizado’ dos processos culinários, vá lá. Mas ensinar o bê-a-bá do fogão nos termos a que se propõem os autores de Ninguém quer comer meu ovo! — Barbara Cassará, Tomaz Adour e Tatiana Berlim... Trechos da apresentação do livro, que oferece receitas como ‘bruschetta’ (sem pão italiano, mas à moda “vamos simbora que já tá tarde”), ovo frito (para quem gosta de “gema mole e gosma”) e “pratos com fator UAU!” (como filé de frango ao creme de cebola – de saquinho): “Esse livro não pretende ser simplesmente um manual de auto-ajuda (...) A gente não queria que nada tão careta entrasse no cardápio da sua mudança (...). O mais importante é meter a cara (...). Pelo menos até você descolar aquela cara-metade, que além de tudo de bom, seja ainda do tipo “chefe de cozinha”. E não, não adianta fazer essa cara de cachorro magro com preguiça que já quer apelar todo dia para o delivery. Gente, o santo fast food não dá sangue, só enche barriga...”. Fica a pergunta: você quer comer esse ovo?

Ninguém quer comer meu ovo! – Barbara Cassará, Tomaz Adour e Tatiana Berlim - Usina de Letras (96 págs.) - R$ 20


Escolhas à mesa


Comer – a alimentação de franceses, outros europeus e americanos
, publicado na França em 2008, é um livro obrigatório para quem quer entender porque comemos o que comemos hoje. Da autoria do respeitado sociólogo francês Claude Fischler e da psicóloga social Estelle Masson, a obra é fruto das reflexões desses estudiosos (com colaboração de outros pesquisadores) a partir de 7 mil entrevistas sobre hábitos alimentares feitas em seis países — Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Alemanha e Suíça. O ponto de partida é a noção de modelo alimentar, conceito que fundamenta suas explicações sobre nossas escolhas alimentares contemporâneas e suas relações com a saúde e o corpo. O resultado, como enfatiza o historiador Henrique Carneiro, que assina a apresentação da edição brasileira, é um painel profundo das diferenças entre esses povos e suas noções de identidade coletiva.

Comer – a alimentação de franceses, outros europeus e americanos – Claude Fischler e Estelle Masson - Senac São Paulo (360 págs.) – R$ 60


Reportagem publicada na revista menu - agosto/2010

Um comentário:

Anônimo disse...

Há bons lançamentos, não? bom saber...